Hoje em dia assistimos a cada vez mais mudanças na alimentação da população, caminhando para um padrão alimentar predominantemente de origem vegetal. Não restam dúvidas de que a inclusão diária e em grandes porções de alimentos de origem vegetal na nossa alimentação apresenta não só benefícios para a saúde como também ao nível da sustentabilidade ambiental.
O padrão alimentar vegetariano pode ser: ovolactovegetariano (inclui o consumo de ovos, leite e seus derivados, excluindo carne e pescado), ovovegetariano (inclui o consumo de ovos e exclui o de carne, pescado, leite e seus derivados), lactovegetariano (inclui leite e seus derivados, mas exclui ovos, carne e pescado) ou vegetariano estrito/vegan (exclui o consumo de carne, pescado, ovos, leite e seus derivados).
Se o padrão alimentar vegetariano lhe suscita alguma curiosidade ou até já começou a fazer algumas mudanças na alimentação neste sentido, saiba quais os nutrientes aos quais deverá prestar especial atenção para evitar potenciais défices nutricionais.
Proteína
Ao contrário dos receios de muitos, é possível ter uma alimentação vegetariana saudável e sem défices proteicos. As fontes alimentares de proteína vegetal num padrão alimentar vegetariano são: leguminosas, soja e seus derivados, cereais integrais e pseudocereais (quinoa, amaranto e trigo sarraceno), frutos oleaginosos, sementes e, em certas variantes do padrão alimentar vegetariano, ovos e lacticínios.
As proteínas são constituídas por aminoácidos e alguns deles são considerados aminoácidos essenciais por não os conseguirmos sintetizar no nosso organismo e terem de ser ingeridos através da alimentação. Alimentos com proteínas de alto valor biológico são alimentos que reúnem um conteúdo elevado em aminoácidos essenciais. As proteínas de origem animal (carne, pescado, ovos, laticínios) são proteínas de alto valor biológico e as proteínas de origem vegetal, excetuando as da soja, quinoa e amaranto, tendem a ser mais limitadas no seu conteúdo em aminoácidos essenciais ou a apresentar quantidades inferiores em alguns deles.
Esta questão é facilmente contornada fazendo a complementaridade de aminoácidos através da combinação de diferentes alimentos fontes de proteína de vegetal, atingindo facilmente as recomendações proteicas e de aminoácidos essenciais desta forma.
As proteínas dos alimentos de origem vegetal têm normalmente uma biodisponibilidade inferior face às proteínas de alimentos de origem animal. Quer isto dizer que, neste caso, a proteína que é efetivamente digerida e absorvida pelo nosso organismo é menor.
Tendo em consideração o conteúdo em aminoácidos e a biodisponibilidade das proteínas de origem vegetal, um indivíduo com um padrão alimentar vegetariano tem necessidades proteicas superiores face ao indivíduo não vegetariano.
Ácidos Gordos essenciais ómega-3
Os ómega-3 são ácidos gordos essenciais (obtidos exclusivamente através da alimentação) e existem 3 tipos deles: ácido alfa-linolénico ALA), ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA).
O ALA está naturalmente presente em alimentos de origem vegetal (como as sementes de linhaça, chia, cânhamo e respetivos óleos, soja e óleo de soja, nozes, beldroegas) enquanto o EPA e DHA no pescado, óleos de peixe e mais modestamente em algas. Uma vez que o ALA é convertido no nosso organismo em EPA e DHA, embora de forma pouco expressiva, torna-se importante consumir alimentos ricos em ALA num padrão alimentar vegetariano.
Alimentos fortificados e/ou suplementação em ómega-3 podem ser considerados em contexto de consulta de nutrição.
Cálcio
A obtenção de cálcio não costuma ser um problema em ovolactovegetarianos uma vez que o consumo de leite, queijos e iogurtes é mantido. No entanto, vegetarianos estritos ou vegan devem assegurar as recomendações de cálcio através do consumo de alimentos de origem vegetal como hortícolas de cor verde escura, alimentos fortificados (como alternativas vegetais ao leite e ao iogurte), tofu, leguminosas, soja, frutos oleaginosos e sementes.
Ferro
As necessidades de ferro da população vegetariana estão aumentadas face à população não vegetariana. O ferro existe em alimentos de origem animal e em alimentos de origem vegetal, mas à semelhança do que acontece com a proteína, o ferro presente em alimentos de origem vegetal tem uma biodisponibilidade inferior. Isto acontece porque existem 2 tipos de ferro - ferro heme (com absorção superior) e ferro não heme (absorção inferior) – e os alimentos de origem vegetal contêm apenas ferro não heme.
Torna-se extremamente necessário o consumo de alimentos ricos em ferro não heme, tais como: leguminosas, hortícolas de cor verde-escura, cereais integrais, cereais de pequeno-almoço fortificados neste nutriente, tofu, sementes, frutos oleaginosos, tempeh e ovos (para ovolactovegetarianos).
A absorção de ferro é potenciada pela vitamina C, pelo que é aconselhada nas refeições principais a inclusão de frutas fontes de vitamina C (laranja, ananás, kiwi, morangos, papaia, tangerina) e/ou hortícolas (couve-flor, couve-de-bruxelas, couve-roxa, pimentos) também ricas neste nutriente.
Por outro lado, a absorção de vitamina C pode ser inibida pelo cálcio, fitatos e polifenóis presentes no chá, café, especiarias e cacau/chocolate, pelo que estes alimentos devem ser evitados após as refeições principais.
Zinco
Tal como no ferro, o zinco proveniente de alimentos de origem vegetal apresenta menor biodisponibilidade. Devemos incluir na alimentação alimentos como leguminosas, cereais de pequeno-almoço fortificados em zinco, sementes, frutos oleaginosos, laticínios (para ovolactovegetarianos).
A ingestão mais elevada de proteína promove a absorção de zinco. O zinco pode ter a sua absorção inibida devido à presença de fitatos, pelo que técnicas de confeção e processamento alimentar como a cozedura, demolha, fermentação e germinação (de leguminosas, cereais e sementes) ajudam a inibir a ação dos fitatos.
Iodo
Alimentos de origem vegetal têm baixo teor em iodo. Trocar o sal de utilização comum por sal iodado por exemplo, seria o suficiente para assegurar as necessidades em iodo.
Vitamina B12
Uma vez que a sua forma ativa apenas se encontra em alimentos de origem animal e alimentos fortificados, a população vegetariana poderá ter ou vir a ter défices de vitamina B12. Em ovolactovegetarianos, através do consumo de ovos e laticínios, poderá haver um consumo superior de vitamina B12, mas ainda assim insuficiente. Alimentos fortificados como alternativas vegetais à carne (tofu, seitan, soja), levedura nutricional, bebidas vegetais, cereais de pequeno-almoço, e/ou suplementos devem ser considerados em contexto de consulta de nutrição.
Notas importantes:
É importante considerar a alimentação como um todo, seja num padrão alimentar vegetariano, seja noutro padrão alimentar qualquer.
A suplementação alimentar pode fazer sentido, mas é importante o aconselhamento nutricional em contexto de consulta de nutrição.
Uma alimentação vegetariana, desde que bem planeada, é perfeitamente saudável e adequada às necessidades nutricionais de um indivíduo.
Fontes Bibliográfricas:
Walter W, Rockstrom J, Loken B, et al. Food in Anthropocene: the EAT-Lancet Commission on healty diets from sustainable food systems. Lancet 2019; 393: 447-92.
Nutrimento – Direção Geral da Saúde. Disponível em: https://nutrimento.pt/
Por: Joana Samora Santos: Nutricionista do clube de saúde Kalorias Torres Vedras, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas nº4309N
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